O ChatGPT pode fazer sua tarefa de casa?

Seja muito bem-vindo(a) a mais um artigo aqui do site. Neste artigo abordarei um tema polêmico (de certa forma): Inteligência Artificial. Quando falamos sobre isso é grande o número de perguntas levantadas a respeito do seu uso, afinal, quais são os benefícios e malefícios apresentados por esta “nova” tecnologia? Ela poderá dominar o mundo? Se sim, em quanto tempo? Ela pode criar (do zero) coisas novas? Ela pode fazer seu trabalho da escola ou faculdade e te garantir um “notão”? O quão inteligente elas são? Ela pode substituir o ser humano? Essas entre outras tantas perguntas permeiam a sociedade hoje. Com este artigo não tenho a intenção de responder cada uma dessas perguntas, mas sim, dar um panorama geral sobre como funcionam as inteligências artificiais e alguns exemplos utilizando o ChatGPT uma das inteligências artificiais generativas mais famosas (se não a mais famosa) atualmente, mantida pela Open AI.

O que precisamos compreender inicialmente – sem querer chatear você leitor – é que inteligência artificial não é algo novo. Se você percebeu no parágrafo anterior, ao me referir à “nova” tecnologia, utilizei aspas na palavra nova propositalmente. Em outubro de 1950, Alan M. Turing publicava um artigo intitulado Computer Machinery and Inteligence (em tradução livre: Máquinas de Computação e Inteligência) onde propôs um teste de inteligência de máquina intitulado O Jogo da Imitação (hoje conhecido como O Teste de Turing).

Para compreender o que seria o Teste de Turing simplificado, imagine uma sala dividida em três partes não conectadas. Em uma dessas partes nós temos o interrogador, e nas outras duas os interrogados. Ele poderá fazer perguntas aos outros dois para tentar adivinhar quem é o humano e quem é a máquina. A resposta poderá ser feita através de mensagens escritas para evitar tendencias na resposta pelo tom de voz. O teste faz jus ao nome, pois se a máquina for declarada humana, então ela conseguiu se passar por (imitar um) humano.

Vale lembrar que este é o Teste de Turing simplificado, há ainda o Teste de Turing completo, onde os participantes misteriosos manipulam objetos físicos entre outras tarefas mais avançadas. Claro que ao longo dos anos, outros estudiosos se dispuseram a estudar e avançar mais nesta área da ciência, porém o exemplo de Turing já nos mostra há quanto tempo a humanidade está trabalhando com isso.

Há mais de 10 anos, quando criei meu Facebook, era muito comum as pessoas dizerem que ele estava “ouvindo” conversas, pois sempre apresentava propagandas condizentes com aquilo que o usuário estava querendo comprar ou fazer. E adivinha o que estava por trás disso? Afinal, como acha que, hoje em dia, as redes sociais, plataformas de streaming e alguns sites continuam fornecendo conteúdos cada vez mais semelhantes e condizentes com seus gostos pessoais?

Mas por favor, não se assuste, isso não quer dizer que ela (ou alguém) esteja te vigiando. A inteligência artificial simplesmente está “aprendendo” com os dados que você fornece a ela. Este processo de aprendizagem por parte dos programas de computador um dos métodos mais utilizados na última década, chama-se machine learning (aprendizado de máquina). Ele permite que elas “aprendam” com informações, sem a necessidade de serem programadas toda vez que ocorre uma mudança.

E a impressão que temos de que as máquinas são mais “inteligentes” do que os seres humanos, deve-se ao fato de nossas as curvas de aprendizado serem totalmente diferentes. As máquinas conseguem lidar com uma grande quantidade de informação em pouco tempo. Ela extrai informações de uma fonte extremamente grande em um intervalo de tempo minúsculo comparado a um ser humano que, por sua vez, precisa ir à escola por um determinado número de anos, errar, apagar, recomeçar e repetir o processo várias vezes. Ou seja, a diferença está em nossos processadores. Mas isso está longe de ser classificável como bom ou ruim.

Vou exemplificar de maneira mais prática como uma Inteligência artificial aprende. Vamos supor que queiramos treinar um programa de computador para identificar fotos de cães e para isso, precisamos abastecer o seu banco de dados (sua mente) com diversas imagens das mais diferentes raças de cachorros para que o programa fique familiarizado com as características gerais deste animal. Ênfase aqui! O programa, com esse processo, será capaz de identificar a probabilidade de uma imagem ser de cachorros de acordo com as repetidas características presentes nas imagens que utilizamos para treiná-lo

E quando nós apresentarmos outras imagens.

Ela não acusará um gato ou um homem, mas sim que essas imagens possuem baixa probabilidade de serem cachorros. Percebe a diferença entre assumir que a inteligência artificial determina algo enquanto, na verdade, ela avalia probabilidades?

A inteligência artificial, dado aos muitos significados que podemos atribuir ao termo “inteligência”, é só isso, um identificador e replicador de padrões. Ela não possui uma “consciência” artificial ou um “sentimentalismo” artificial, por isso, não há a menor possibilidade das máquinas se revoltarem contra os seres humanos por você não dar bom dia ao ChatGPT antes de solicitar alguma coisa.

Minha relação e experiência com inteligências artificiais começou efetivamente em junho do ano passado quando recebi de uma colega professora o seguinte problema:

“Em um triângulo retângulo, a medida do menor lado é metade da medida do maior lado. A tangente do menor ângulo desse triângulo é igual a:”

E antes que eu pudesse pegar lápis e papel para rabiscar alguma coisa, ela me disse que a resposta que havia encontrado não estava dentre as alternativas do problema e que, para sanar sua dúvida, logo colocou o problema no ChatGPT, e que ele havia fornecido a mesma resposta e com duas soluções diferentes. Veja abaixo:

Solução 01 proposta pelo ChatGPT
Solução 02 proposta pelo ChatGPT

Ora, era uma questão de concurso público. Erros de digitação e gabarito acontecem. Mas eu não fiquei muito satisfeito. Conclui a minha solução, que apresentarei em seguida, mas antes analisemos as soluções propostas pelo ChatGPT

Análise da solução 01

Seja um triângulo retângulo com os catetos {a} e {b}, e hipotenusa {c}. Pela informação fornecida, podemos dizer que a medida do menor lado (um dos catetos) é a metade da medida do maior lado (a hipotenusa), ou seja, {b = \frac{c}{2}}.

De fato, até aqui tivemos uma boa explicação analisando o enunciado do problema e destacando informações importantes. Vamos seguir com a resposta.

A tangente de um ângulo em um triângulo retângulo é definida como a razão entre o cateto oposto e o cateto adjacente a esse ângulo. No nosso caso, o menor ângulo é o ângulo que tem o cateto b como cateto adjacente e o cateto a como cateto oposto.

Nesta segunda parte ele definiu a tangente como a razão de lados do triângulo retângulo corretamente. Contudo, na segunda parte houve um abuso na conjectura sobre quem será o cateto oposto e o cateto adjacente, pois:

O menor ângulo de um triângulo retângulo é sempre oposto ao menor lado e não adjacente como afirmou a inteligência artificial. É possível saber e demonstrar isso pela Lei dos Senos que determina, para um triângulo retângulo qualquer, que a relação do seno de um ângulo é sempre proporcional à medida do lado oposto a esse ângulo. A prova da Lei dos Senos fica para outro artigo.

E ele prossegue.

Portanto, a tangente do menor ângulo é dado por:

Tangente do menor ângulo {= \frac{cateto oposto}{cateto adjacente} = \frac{a}{b}}

Substituindo {b} por {\frac{c}{2}}, temos

Tangente do menor ângulo {= \frac{a}{\frac{c}{2}} = \frac{2a}{c}}

Assim, a tangente do menor ângulo do triângulo retângulo em questão é igual a {\frac{2a}{c}}

E assim ela conclui fornecendo essa resposta, que não está entre as alternativas disponíveis. Foi uma boa tentativa, efetuou os cálculos com frações corretamente, realizou as substituições necessárias, mas falhou ao considerar o menor ângulo adjacente ao menor lado e não o contrário disso.

Seguindo seu raciocínio, o correto seria

\[tg(\beta) = \frac{CO}{CA} = \frac{b}{a} = \frac{\frac{c}{2}}{a} = \frac{ca}{2}\]

Vamos agora analisar a segunda resposta fornecida pelo chat GPT.

Análise da solução 02

Se a medida do menor lado de um triângulo retângulo é metade da medida do maior lado, podemos chamar essas medidas de “ {x}” e “ {2x}” respectivamente. Agora vamos encontrar a tangente do menor ângulo desse triângulo.

Até aqui também está tudo certo. Utilizou um artifício para não trabalhar com frações como fez na solução 01.

A tangente de um ângulo em um triângulo retângulo é definida como a razão entre o comprimento do cateto oposto a esse ângulo e o comprimento do cateto adjacente a ele.

Definição de tangente correta.

No nosso triângulo, o menor ângulo é o ângulo agudo oposto ao menor lado, e o cateto oposto a esse ângulo é o lado de medida “ {x}”. O cateto adjacente é o lado de medida “ {2x}”.

Neste trecho ele corrige o que confundiu na primeira solução quanto ao cateto oposto, mas erra ao considerar o cateto adjacente como o maior lado do triângulo.

Portanto, a tangente do menor ângulo pode ser calculada como:

Tangente do menor ângulo {= \frac{CO}{CA} = \frac{x}{2x} = \frac{1}{2}}

Portanto, a tangente do menor ângulo nesse triângulo retângulo é igual a {\frac{1}{2}}.

E dessa forma, dado a erros de notação e definição, ele calculou o seno do menor ângulo ao invés da tangente. Dado a essa confusão do maior lado do triângulo retângulo ele não conseguiu concluir o exercício, mas chegou mais perto do que na primeira solução.

Agora, vou mostrar a solução correta para este exercício:

\[hip. = x\] \[cat. menor = \frac{x}{2}\]

Como as informações que dispomos são sobre o maior e o menor lado deste triângulo e queremos calcular relações referentes ao menor ângulo e, sabemos que ele é oposto ao menor lado, o que podemos fazer é calcular o seno deste ângulo.

\[sen(\beta) = \frac{\frac{x}{2}}{x} = \frac{1}{2}\]

Agora, se o seno do menor ângulo resultou em ½, podemos concluir que o menor ângulo desse triângulo é um ângulo notável e ele tem medida de 30°, logo.

\[tg(30°) = \frac{\sqrt{3}}{3}\]

Com base neste problema, a inteligência artificial dominará o mundo, a menos que haja trigonometria em seu caminho.

Brincadeiras à parte, é importante reconhecer que a inteligência artificial apresenta sim muitas (e novas) possibilidades para nossa sociedade atual. Ela tem aplicações na agronomia, na saúde, na educação, na indústria e em outras áreas que estão, de modo geral, ligadas à otimização de processos. No entanto elas não servem para, efetivamente, tomar decisões e é esse o grande impasse. O verdadeiro problema não é que a inteligência artificial seja mais inteligente do que os seres humanos, mas SUPOR que ela seja e, como consequência, confiar a ela decisões tanto simples quanto valiosas.

O que fiz com a resolução de um simples problema de trigonometria foi mostrar que nem sempre elas acertam ou sabem de tudo. Dessa forma é possível concluir que atribuir ou direcionar tudo a uma inteligência artificial é sim perigoso para humanidade, mas no que consiste à sua capacidade de raciocínio e senso crítico. Usar da inteligência artificial como “muleta” para tudo já significa ser dominado pelos “robôs futuristas”.

Por isso, seja autêntico. Utilize da inteligência artificial para te ajudar a estudar, ajudar a trabalhar, se organizar, medir rendimentos, auxiliar a tomada de decisão e alcançar seus objetivos e não que ela os alcance por você. Não há inteligência artificial que supere a inteligência natural se bem utilizada.

E para finalizar, uma última atualização sobre o aprendizado do ChatGPT, é que no dia em que este artigo está sendo publicado eu repeti o mesmo problema para verificar se ele consegue me fornecer a resposta correta e obtive duas situações: uma boa e outra ruim.

Nova resposta do ChatGPT ao mesmo problema quase seis meses depois

A boa notícia é que sim, ele aprendeu a como resolver ESTE problema de trigonometria. A má notícia é que se eu coloco o mesmo problema, mas com um ponto de interrogação ao final, ele fornece a resposta errada.

Pequena mudança no enunciado do problema fez com que ele voltasse a dar a resposta errada.

Obrigado a você que leu até aqui. Reforço que este artigo não é uma crítica ao ChatGPT ou ao uso de inteligências artificiais, mas sim um alerta para a transferência de responsabilidade no processo de aprendizado. Não deixe a máquina aprender por você ou dizer o que está certo ou errado. Conheça os conceitos, estude para que você possa utilizá-la a seu favor, corrigi-la e filtrar as informações como verdadeiras ou não!

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